quinta-feira, 5 de setembro de 2024

FELICIDADE CONJUGAL: E AGORA, TOLSTÓI?



 FELICIDADE CONJUGAL: E AGORA, TOLSTÓI?

Texto opinativo de *Ivan Marinho de Barros Filho

                Li a Felicidade Conjugal, uma novela do russo Leão Tolstói editada pela Ediouro, juntamente com a Sonata a Kreutzer, sendo a primeira, impressa em 165 páginas, com prefacio de Assis Brasil, tradução de Boris Schnaiderman e ilustrações de Herbert Horn.

                O enredo se dá numa na zona rural de uma província russa, numa casa de fazenda onde moram uma criança, uma jovem de 17 anos e uma governanta que as ajudara criar. O momento é de dor e perplexidade devido a morte da matriarca, quando já órfãs de pai. A morbidez do ambiente enlutado faz ressonância com o espírito da jovem Maria Alieksándovna, que cuida para entreter a pequena Sônia, sua irmã pequena. Sobre as duas, paira a proteção de Kátia, uma espécie de administradora do lar, conhecedora daquelas jovens em suas mais íntimas particularidades. A história é narrada por sua protagonista, a Maria, que faz de seu tutor, Sierguiéi Mikháilitch, após a morte dos pais, seu alter ego, onde, após um recolhimento melancólico e desiludido, encontra o amparo necessário para seguir de pé. Siergiéi era um homem maduro, com muitas qualidades sociais e administrativas, admirado por todos, de todas as classes sociais e devotado afetivamente à sua mãe, que conta com seus cuidados devido ao avançado da idade. Declara-se realizado em sua vida e sem necessidades outras para esta realização.

                Sua visita à família de Maria acendeu as luzes daquela moça que vagava sem norte pelo escuro. Como tutor, ele, apesar de sua natureza gentil, agiu com autoridade, ajudando a restabelecer os rumos da família. Sua segurança e destimidez, aumentou a confiança da jovem e a fez sair do abismo de incertezas que a sufocava. Kátia, que conhecia profundamente a família, bem como Siergiéi, pôs-se como mediadora das relações, pois, vendo o crescimento de ânimo de Maria a partir da chegada de Siergiéi, bem como a oportunidade que seria uni-la, Maria, a homem com tamanha distinção, não se fez de rogada e, de pronto, começou a alcovitar aquela promissora união.

                A novela e a relação dos protagonistas, se dão, em pelo menos meio livro, entre as idas e vindas de Siergiéi nas visitas à Maria, sempre regadas às boas prosas, diálogos sobre leituras, conselhos de valores morais, críticas às vulgaridades e deleites estéticos promovidos pelas delicadas mãos de Maria ao piano.

                Com a bênção de Kátia, que alcovita de ambos os lados, contanto com a conivência de Maria e a relutância de Siergiéi, por se considerar extremamente maduro e Maria crua e suscetível pelos potenciais sonhos joviais, o casal namora e casa. Vivem o encanto da nova vida de forma extremamente reservada e, só então resolvem debutá-la na vida social da metrópole. Ela se esvanece com os bailes e com a recepção encantada da sociedade com sua presença, descobre a riqueza afetiva daquele mundo cheio de estímulos, tão diferente da sobriedade rural. Já nem sequer cogita sua volta ao marasmo do campo. Frequenta com liberdade as noites da cidade, com a anuência de seu esposo, que prefere recolher-se, dado que já não desfruta dos gostos juvenis, das ilusões afetivas do jogo social.

                Não vou contar o desenrolar e o desfecho pois, Tolstói é esmerado demais para ser enquadrado num texto opinativo como este, mas gostaria de emitir uma impressão, visto que o genial autor de A Felicidade Conjugal parece ter feito de sua vida pessoal, cristão radical que era, uma verdadeira militância: militância de convivência, de superação, de criação de possibilidades, de reinvenção, de oferta, de carinho, de tudo que pudesse justificar a longevidade de uma relação. E ele, na novela, encontra um desfecho maravilhoso, sábio, justificatório, esperançoso, resignante, altruístico... no entanto, malabarístico, para quem sabe que o velho e genial escritor fugiu de casa aos 80 anos de idade e, como bem diz o poeta Mário Quintana no poema Gare de Astapovo, “...Não são todos os que realizam seus velhos sonhos da infância!”.

 

*Ivan Marinho é escritor, detentor dos Prêmios Patativa do Assaré – MINC -, e Festival Nacional Jaci Bezerra de Poesia, do Centro de Estudos Superiores de Maceió.

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