(Foto: Acervo Felipe Neto)
Acabo de ler 1984, de
George Orwell, autor do também clássico, Revolução dos Bichos. Edição da Livrarias
Família Cristã, tradução da Souza e Cruz Traduções, com 357 páginas onde
podemos nos encantar com a habilidade criativa do autor e nos angustiar com a
similaridade profética escrita em 1948 e, parcialmente, vivenciada nos dias de
hoje pelos seguidores das Fake News no Brasil das ilusões.
O livro, que parece
ter uma tradução apressada, incorrendo em uso, amiúde, de termos mal escolhidos
e palavras suprimidas, como na frase “...entrasse em contato COM rapidamente” (pág.
134) ou “...deixar que cuidasse DIA”(PÁG. 153) Ou ainda um “Estou interessADO
em nós”(pág. 184), quando a fala era de uma mulher, “...enviarei um livro com o
qual vocês aprendeRAM...”(pág. 205), quando conjuga no passado o que seria
futuro, mais acertado com a terminação ÃO e, ainda mais indigesta quando escreve “...pingava
no PEITO do macacão”(pág. 274), sem o cuidado e a paciência para encontrar a palavra
BOLSO, lembra as tramas kafkianas, com um personagem que vive num labirinto que
não tem entrada, nem saída.
Fundado sobre uma distopia
onde o condicionamento de massa se eleva ao total controle social, 1984
apresenta uma sociedade doentia, sem passado histórico e, por isto mesmo, sem qualquer
expectativa de futuro. Com, basicamente, três classes: a de dirigentes, de
pessoas comuns e a do proletariado, a macrorregião da Oceania coexiste com mais
duas macrorregiões intercontinentais, a Eurásia e a Lestásia, que se autogerem
sem deixar indícios de relações entre elas, a não ser de uma guerra
estratégica, que tem por único objetivo manter o sentimento de ódio e de medo.
Orwell profetiza em
seu enredo, a total perda de privacidade a partir da instalação disseminada de câmeras
– chamadas teletelas – por todos os lugares, monitoradas pela Polícia do
Pensamento, especializada em fazer leituras de expressões que demonstrem
qualquer inclinação crítica por parte dos indivíduos. Para garantir a
imobilidade social, o poder, exercido aparentemente pelo Big Brother, o Grande
Irmão, um personagem sem face, transmitido por redes eletrônicas, onipresente
através das teletelas, é mitificado pela população como se fosse o garantidor
da segurança e da estabilidade. Winston Smith, protagonista da ficção, acordado
pela realidade e na condição de pessoa comum, trabalha como funcionário público
no Ministério da Verdade, responsável pelas notícias, entretenimento, educação e
cultura, onde se falsificam documentos e demais escritos que sirvam de
referência ao passado, adequando os conteúdos aos interesses do Big Brother. Para
facilitar a afirmação da mentira como se fosse verdade, especialistas
desenvolvem um novo dicionário que reduz o espectro do significado das palavras,
chamado de Novilíngua. O objetivo da Novilíngua é reduzir o campo de
interpretação da realidade, transformando a linguagem numa ferramenta
eminentemente pragmática para funções de trabalho, incapaz de aprofundar qualquer
raciocínio mais subjetivo, ou seja, uma linguagem acrítica. A Oceania conta ainda com mais três
Ministérios: o Ministério da Paz, que trata das guerras; o Ministério da
Fartura/Riqueza, responsável pela economia e pela fome, que através da
manipulação dos dados da produção condiciona as pessoas a imaginarem que tudo
está sob controle e bonança e o Ministério do Amor, que se responsabiliza pela
legitimação das sentenças e punições, excluindo a lei e julgando a partir de
uma verdade absoluta que se justifica como implícita à condição humana,
portanto impassível de questionamentos.
O drama se dá pelo despertar crítico de Winston
que, vendo-se enganado pelo sistema político-social, envereda na transgressão
de todos os valores impostos pela socing (arcabouço ideológico da Oceania),
valendo-se de sua perspicácia para driblar os mecanismos de vigilância. Intui,
ainda no começo do livro, que um funcionário do primeiro escalão, O’Brian, é
também um subversivo e, quando se vê convencido de que tudo não passa de
manipulação, apresenta-se a O’Brian com sua namorada clandestina, com a
intenção de militar na suposta organização conspiratória contra o Grande Irmão.
Mas paremos por aqui. Vale muito a pena ler
o livro. O desfecho é surpreendentemente frustrante, mas 1984, como o Admirável
Mundo Novo, de Aldous Huxley, Matrix, Truman..., é um alerta para a realidade
que se apresenta com a intervenção transversal da política, justiça e
comunicação que destituiu uma presidenta sem crime, que aprisionou e alijou de
uma disputa eleitoral um candidato sem crime, que elegeu, a partir de
iniciativas midiáticas que induziram ao pânico moral, um político imoral... e
que, aventado por um dos patetas que assumiram o Ministério da Educação nesta
gestão fraudulenta, o Ricardo Vélez, se intencionou modificar o conteúdo dos
livros didáticos para que a truculenta, assassina, desumana e corrupta ditadura
militar de 1964 fosse vislumbrada pelos estudantes como uma ação exemplar.
Nos últimos tempos aqui no Brasil, fomos
surpreendidos por uma legião de autômatos, zumbis mesmo, capitaneados por um
lunático oportunista chamado Olavo de Carvalho, e representados por um
aparentemente psicopata chamado Jair, replicando mentiras e teorias
conspiratórias e inundando as redes sociais eletrônicas (que virou palanque e
luz para imbecis, como pensou Umberto Eco), de irrealidades e desinformações.
A emersão do jovem comunicador Felipe Neto,
da caverna de Platão, onde as sombras demoníacas de um PT criado pela Rede
Globo impunham o ódio descabido à organização do povo trabalhador, para a luz
do olhar livre, crítico, autônomo, é a prova de que ainda nos resta maleabilidade
filosófica para a transformação social. Seu testemunho de mudança de ponto de
vista e sua foto com o livro 1984 de George Orwell me convidaram a opinar sobre a obra.
Ivan Marinho de Barros Filho