sábado, 11 de junho de 2022

SERÁ QUE FOI O 1984 QUE ACORDOU FELIPE NETO?

 

                                                                                                                          (Foto: Acervo Felipe Neto)


Acabo de ler 1984, de George Orwell, autor do também clássico, Revolução dos Bichos. Edição da Livrarias Família Cristã, tradução da Souza e Cruz Traduções, com 357 páginas onde podemos nos encantar com a habilidade criativa do autor e nos angustiar com a similaridade profética escrita em 1948 e, parcialmente, vivenciada nos dias de hoje pelos seguidores das Fake News no Brasil das ilusões.

     O livro, que parece ter uma tradução apressada, incorrendo em uso, amiúde, de termos mal escolhidos e palavras suprimidas, como na frase “...entrasse em contato COM rapidamente” (pág. 134) ou “...deixar que cuidasse DIA”(PÁG. 153) Ou ainda um “Estou interessADO em nós”(pág. 184), quando a fala era de uma mulher, “...enviarei um livro com o qual vocês aprendeRAM...”(pág. 205), quando conjuga no passado o que seria futuro, mais acertado com a terminação ÃO e,  ainda mais indigesta quando escreve “...pingava no PEITO do macacão”(pág. 274), sem o cuidado e a paciência para encontrar a palavra BOLSO, lembra as tramas kafkianas, com um personagem que vive num labirinto que não tem entrada, nem saída.

     Fundado sobre uma distopia onde o condicionamento de massa se eleva ao total controle social, 1984 apresenta uma sociedade doentia, sem passado histórico e, por isto mesmo, sem qualquer expectativa de futuro. Com, basicamente, três classes: a de dirigentes, de pessoas comuns e a do proletariado, a macrorregião da Oceania coexiste com mais duas macrorregiões intercontinentais, a Eurásia e a Lestásia, que se autogerem sem deixar indícios de relações entre elas, a não ser de uma guerra estratégica, que tem por único objetivo manter o sentimento de ódio e de medo.



     Orwell profetiza em seu enredo, a total perda de privacidade a partir da instalação disseminada de câmeras – chamadas teletelas – por todos os lugares, monitoradas pela Polícia do Pensamento, especializada em fazer leituras de expressões que demonstrem qualquer inclinação crítica por parte dos indivíduos. Para garantir a imobilidade social, o poder, exercido aparentemente pelo Big Brother, o Grande Irmão, um personagem sem face, transmitido por redes eletrônicas, onipresente através das teletelas, é mitificado pela população como se fosse o garantidor da segurança e da estabilidade. Winston Smith, protagonista da ficção, acordado pela realidade e na condição de pessoa comum, trabalha como funcionário público no Ministério da Verdade, responsável pelas notícias, entretenimento, educação e cultura, onde se falsificam documentos e demais escritos que sirvam de referência ao passado, adequando os conteúdos aos interesses do Big Brother. Para facilitar a afirmação da mentira como se fosse verdade, especialistas desenvolvem um novo dicionário que reduz o espectro do significado das palavras, chamado de Novilíngua. O objetivo da Novilíngua é reduzir o campo de interpretação da realidade, transformando a linguagem numa ferramenta eminentemente pragmática para funções de trabalho, incapaz de aprofundar qualquer raciocínio mais subjetivo, ou seja, uma linguagem acrítica. A Oceania conta ainda com mais três Ministérios: o Ministério da Paz, que trata das guerras; o Ministério da Fartura/Riqueza, responsável pela economia e pela fome, que através da manipulação dos dados da produção condiciona as pessoas a imaginarem que tudo está sob controle e bonança e o Ministério do Amor, que se responsabiliza pela legitimação das sentenças e punições, excluindo a lei e julgando a partir de uma verdade absoluta que se justifica como implícita à condição humana, portanto impassível de questionamentos.

     O drama se dá pelo despertar crítico de Winston que, vendo-se enganado pelo sistema político-social, envereda na transgressão de todos os valores impostos pela socing (arcabouço ideológico da Oceania), valendo-se de sua perspicácia para driblar os mecanismos de vigilância. Intui, ainda no começo do livro, que um funcionário do primeiro escalão, O’Brian, é também um subversivo e, quando se vê convencido de que tudo não passa de manipulação, apresenta-se a O’Brian com sua namorada clandestina, com a intenção de militar na suposta organização conspiratória contra o Grande Irmão.

     Mas paremos por aqui. Vale muito a pena ler o livro. O desfecho é surpreendentemente frustrante, mas 1984, como o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, Matrix, Truman..., é um alerta para a realidade que se apresenta com a intervenção transversal da política, justiça e comunicação que destituiu uma presidenta sem crime, que aprisionou e alijou de uma disputa eleitoral um candidato sem crime, que elegeu, a partir de iniciativas midiáticas que induziram ao pânico moral, um político imoral... e que, aventado por um dos patetas que assumiram o Ministério da Educação nesta gestão fraudulenta, o Ricardo Vélez, se intencionou modificar o conteúdo dos livros didáticos para que a truculenta, assassina, desumana e corrupta ditadura militar de 1964 fosse vislumbrada pelos estudantes como uma ação exemplar.

     Nos últimos tempos aqui no Brasil, fomos surpreendidos por uma legião de autômatos, zumbis mesmo, capitaneados por um lunático oportunista chamado Olavo de Carvalho, e representados por um aparentemente psicopata chamado Jair, replicando mentiras e teorias conspiratórias e inundando as redes sociais eletrônicas (que virou palanque e luz para imbecis, como pensou Umberto Eco), de irrealidades e desinformações.

     A emersão do jovem comunicador Felipe Neto, da caverna de Platão, onde as sombras demoníacas de um PT criado pela Rede Globo impunham o ódio descabido à organização do povo trabalhador, para a luz do olhar livre, crítico, autônomo, é a prova de que ainda nos resta maleabilidade filosófica para a transformação social. Seu testemunho de mudança de ponto de vista e sua foto com o livro 1984 de George Orwell me convidaram a opinar sobre a obra.

Ivan Marinho de Barros Filho

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário