quarta-feira, 27 de setembro de 2017

UMA VIGA NO OLHO DO TUCANO*

Por Ivan Marinho


Resenha do livro “Privataria Tucana”, em tempos de moral exacerbada.


O poeta Erickson Luna costumava dizer que “o poder se estabelece sobre a ignorância” e Jesus Cristo (Mt. 7:4) “...como podes dizer a teu irmão: Permite-me remover o cisco do teu olho, quando há uma viga no teu?”.

Com um olho no padre e outro na missa, inicio esta resenha confrontando o moralismo salvacionista dos insaciáveis tucanos - aves com bicos maiores que as moelas – e o período do maior saque ao patrimônio do povo brasileiro, o da “Privataria”.

O detalhamento deste saque não caberia numa reportagem de jornal ou revista, como declara Amaury Ribeiro Jr., autor do livro A Privataria Tucana. Portanto, numa resenha, não caberia, sequer, as cifras expostas por este premiadíssimo repórter investigativo.

O livro trata de como o PSDB, através de seus caciques famintos, criou uma teia de relações, a partir de bancos públicos, privados, empresas e um amontoado de offshores criadas em paraísos fiscais para lavar dinheiro das privatizações, servindo ao enriquecimento ilícito de seus pares, bem como a campanhas políticas, como constata o autor. Iluminados pela iniciativa da primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, que pulverizou entre muitos as ações das estatais inglesas, o modo “brasileiro” buscou um caminho mais fácil, segundo o livro: Entregar, de mãos beijadas, nossas empresas a poucos amigos, apontados a dedo.

Tão vorazes se apresentaram os tucanos que seu grande líder, alcunhado FHC, ordenou: “... vender tudo o que der pra vender”. E foi tão obediente seu fiel escudeiro e ministro José Serra que, mesmo a Companhia Vale do Rio Doce faturando US$ 2 bilhões por ano e sendo agraciada com a descoberta de uma imensa jazida de ouro, bradou: “A descoberta desta mina não altera em nada o processo de privatização. Só o preço poderá ser maior”.

No final das contas, olhando para o ícone da justiça, que se levanta com força sobre um governo popular, pergunto-me se está com a venda, sem venda ou à venda. Bom, depois do juiz Lalau e os grampos encomendados por Moro, acredito que cidadãos não serão penalizados pela literalização do verbo vender, não é?

Voltando ao final das contas, o jornalista Aloysio Biondi no livro Brasil Privatizado – Um Balanço do Desmonte do Estado, citado no A Privataria Tucana, esclarece que em 1998, já leiloadas grandes empresas como a Vale, Embraer, Usiminas, Copesul, CSN, Ligth, Acesita e as Ferrovias, o que se propagandeava como lucro pra saúde e educação do Brasil, “surpreendia-nos” com um grande prejuízo. “Enquanto o governo FHC afirmava ter arrecadado R$ 85,2 bilhões no processo,... o país pagara R$ 87,6 bilhões para vender suas estatais. Portanto, pagou R$ 2,4 bilhões a mais do que recebera. Para chegar a este cálculo, Biondi reuniu sete itens: “Vendas a prazo com dinheiro já contabilizado, mas fora dos cofres públicos; dívidas absorvidas, juros de 15% sobre dívidas assumidas; investimentos nas estatais antes do leilão; juros sobre tais investimentos; uso de moedas podres e mais R$ 1,7 bilhão deixados nos cofres das estatais privatizadas. “Mais cinco itens, entre eles custo das demissões e compromisso com fundos de pensão, considerados incalculáveis, não integram a coluna das despesas”.

Diante de tudo isto, agravado pelo surrealismo que estabelecera valor zero às jazidas de minério de ferro da Vale do Rio Doce no processo de privatização, jazidas que abasteceriam o mundo durante 400 anos, o Prêmio Nobel de Economia de 2001, Joseph Stiglitz “cunhou um neologismo ácido ao” denominar briberization às privatizações na América Latina, sendo que bribery “constitui-se crime e significa oferecer, dar, receber ou solicitar qualquer bem ou valor para influenciar as decisões de funcionário público ou outra pessoa em cargo de confiança”. A palavra bribe, segundo o livro, desde o séc. XIV, é usada como “jargão de ladrões”. Talvez, por isso, o ex-ministro de FHC, Mendonça de Barros, mesmo compondo o conluio áureo-celeste, classifique seus concorrentes tucanos, encabeçados por Carlos Jereissati, de “ratada” ou de “telegangue”.


Amaury Jr. desmascara, no livro Privataria Tucana, as cartas marcadas do volumoso saque, apontando, corajosamente, para grandes nomes da política e do empresariado brasileiro, como Daniel e Verônica Dantas, Mário Covas, Marcelo Alencar, José Serra, Verônica Serra e seu marido Alexandre Bourgeois, Gregório Marín Preciado (“primo torto” de Serra), Ronaldo de Souza, Carlos Jereissati (irmão de Tasso)... todos orquestrados por um grande maestro, o Sr. Ricardo Sérgio de Oliveira, ex-tesoureiro das campanhas de FHC e José Serra, contemplado com a diretoria da área internacional do Banco do Brasil, de onde concedeu e influenciou muito empréstimos aos privatas e a supostos laranjas, como ao “primo torto” de José Serra que, devendo R$ 448 milhões ao BB, obteve um abatimento para pagar, somente, R$ 4,1 milhões. Depois de lido o livro, só nos resta uma dúvida: Será que pagou?

terça-feira, 28 de março de 2017

O TRINTA: TENTATIVAS E ERROS – Breve reflexão sobre o inédito livro de Mauro César de Lima.

            Como insisto em dizer, para que outro não aponte minha gagueira intelectual e, em consonância com o nome do blog, sou leitor aprendiz, o que faz com que minha resenha esteja mais para um texto opinativo do que para uma crítica literária. Aprendi isto com o mestre Ariano Suassuna que, ao iniciar suas palestras, já o fazia dizendo que era gago, para que ninguém se surpreendesse no percurso.
            O Trinta, como me adiantou o autor, nada tem a ver com O Quinze, a não ser a origem miserável dos personagens.
            O enredo começa numa casa pobre do interior, com a visita de um tio que vai levar uma proposta de emprego para seu irmão e encontra a sobrinha só. Movido pelo erotismo de sua visão, ao perceber que a sobrinha maltrapilha despontava a mocidade, Aprígio a estupra e é flagrado por seu irmão que chega com a esposa. Saca sua arma e mata o irmão e a esposa. Quando as pessoas se aproximam, brada dizendo que foi um doido chamado Fulore. As pessoas procuram Fulore, lincham e matam o doido; um sobrinho que vira o acontecido fica mudo e a comunidade se apieda de Aprígio, como se este fosse também vítima do acontecimento. Até conseguirem fugir, as duas crianças ficam na casa do tio, que as ameaça e que não deixa de frequentar o quarto de Alahir, a “sobrinha”. Fogem para a capital e, após ser, novamente, estuprada por um caminhoneiro que os dera carona, é acolhida por um barraqueiro de fachada, rico por ser obrigado a traficar drogas. Alahir estuda e empreende no ramo da prostituição, se tornando uma cafetina de luxo, com influência política, social e econômica que, ao voltar na cidade para se vingar do tio, se enche de compaixão, perdoando com muita naturalidade. Aproximando-se o fim da narrativa, Alahir se apaixona pelo irmão, que volta a falar e, após convencê-lo de que não é sua irmã, se devoram com paixão ardente, muito além do bem e do mal. Realizada existencialmente, Alahir denuncia um grande esquema de corrupção e é abatida por uma superbactéria. Seu irmão e amante, o Guiben, após um longo papo com uma das prostitutas responsáveis pela administração do hiper-negócio de sua irmã, sobre Combustão Humana Espontânea, segue para um mosteiro, solta as cinzas de sua irmã cremada sobre os montes e pega fogo dentro do quarto número Trinta.
            De imediato o leitor se deparará com uma linguagem exageradamente coloquial e, extremamente, televisiva. A tal ponto de, movido pela curiosidade do porvir, chega-se a pensar, precipitadamente, que o autor se referencia no conceito picassiano de que o traço de uma criança seria o último a se alcançar. A leitura induz a uma perplexidade conceitual e morfológica, rompendo as referências de tempo e interpondo valores hedonistas e cristãos. Ao tempo que cita fatos históricos, como que a justificar o incesto, por exemplo, cita relações religiosas com santos marcados pelo sacrifício dos desejos. Leva o leitor mais esperançoso a associar a trama a uma proposta zelimeiriana, ou surrealista, mas , ao final, confirma o espontaneísmo paradoxal da fragmentação pós-moderna.
            O livro O Trinta suscita a observação do leitor para o desejo de se expressar do autor, mas esbarra no léxico, no seu sentido lato. Expressa um tempo pulverizado, sem referências e apresenta um roteiro irregular, como se várias imagens povoassem a imaginação do autor, sobrepondo-se em busca de um sentido. É como se a história devesse ser contada e não romanceada, tornando a longevidade do texto uma inimiga da coerência. Aparenta a expressão de um desejo de amor e de amar reprimido, que precisasse gritar em praça pública, que se justificasse em referenciais históricas, nem sempre plausíveis, como a de Nero. É como um pedido de socorro, que viesse a salvar um sentimento estranho, que parece eminentemente biológico, antropológico, astrológico. Como se este sentimento fosse determinado pelo destino e, todos fossem vítimas, irrecorríveis, deste destino.
            Outra característica de O Trinta é o lugar comum das colocações, tanto que, em várias situações, o autor se substitui pelos ditados, pelas frases feitas, como nuvem passageira, a sua felicidade é aqui, é muita areia pro meu caminhãozinho, tirar qualquer um do sério, dor de barriga não dá só uma vez, etc.. É tão marcante o traço cultural, fortemente oral, do autor, que todos os seus personagens se identificam com o narrador, falam com alguma semelhança, chegando a se confundir com o mesmo. A palavra se manifesta como a palavra de quem ouve e não de quem lê. Algo que pode ser amparado por recursos tecnológicos acessíveis na atualidade, como o áudio ou o audiovisual, que viriam a atender às características desta narrativa em pauta.
            Há quatro páginas do encerramento do livro, descrevendo a perplexidade do personagem Guiben, o narrador faz uma colocação que evidencia estas observações anteriores, quando diz: “Nem ele sabia o que era certo ou errado, fez o que pedira seu coração, fez o que sua irmã pedira. Fez o que achava que era certo. Mas não sabia o que era mentira ou verdade, o que era certo ou errado”. Ou seja, um samba do crioulo doido, como diria o Mauro César.


Ivan Marinho é especialista em Economia da Cultura, escritor e artista plástico.

sábado, 14 de janeiro de 2017

A MENTE SEM MEDO e sem noção de KRISHNAMURTI.

            Acabo de ler o livro A Mente sem Medo, compilações de palestras realizadas por Jiddu Krishnamurti em 1964, em Saanem, Suíça, editado pela Cultrix, com 93 páginas. Palestras, como as intituladas O que é Aprender, Comunicação e Comunhão, A Compreensão do Medo, A Totalidade da Vida, A Mente Iluminada, entre outras.
            O livro é cansativo, do começo ao fim. Apela para a profundidade, mas é superficial e repetitivo. Restringe-se a convidar os espectadores a comungar, sem contestações, o ponto de vista do autor. Nega qualquer tipo de metodologia, baseado na unicidade do indivíduo, mas propõe o despojamento de todo saber, de toda intenção ou intencionalidade, a partir de um esvaziamento total, que venha a confundir criatura e criação, numa fusão completamente sensorial. Nega as religiões ocidentais e orientais, nega o esforço meditativo, nega os conceitos políticos, filosóficos e sociais... parece negar tudo, afirmando que havendo os desejos, os ideais, os problemas... relegados à insignificância, o homem alcança a verdade e a liberdade.
            Técnicas meditativas, como a de Maharishi Mahesh, como as que pudemos viajar nos livros de Carlos Castañeda ou as da Yoga, ou mesmo os estados de SER para além do tempo, como o da menina que come chocolates do poema Tabacaria, de Fernando Pessoa... todas são negadas por Krishnamurti, porque surgem da vontade e, por isso, é despertada pelo EGO, que deve ser eliminado.
            Resume o cristianismo ao sacrifício e o comunismo ao endeusamento do Estado. Postula um estado de não tempo, mas credita as especialidades técnico-científicas, como se o movimento existencial mecanicista, tecnocentrista, egoísta, fosse compatíveis com vidas independentes, como se qualquer cidadão, pedreiro, piloto, soldador, militar... pudesse compatibilizar suas vidas fora de uma perspectiva de tempo, talvez possível para o conferencista Krishnamurti.
            O livro e o pensamento do autor não são de todo ruins. Têm afinidade com os estoicos, com os epicuristas, cínicos e anarquistas; põe  o amor como bem maior e propõe o “enfrentamento” aos condicionamentos, só que é um enfrentamento sem enfrentar. O discurso pode ser comparado ao dos Tropicalistas, quando dizem que “pode ser tudo, inclusive nada”, rsrsrsrsrrsrss...
            Perplexos leitores, perdoem-me a acidez, pois o livro é pequeno e, se não corresponde à expectativa deste leitor que vos escreve, ao menos suscitou vários questionamentos, o que representa possíveis elucidações.

Ivan Marinho é

Especialista em Economia da Cultura, artista plástico e poeta.