Texto opinativo de *Ivan Marinho de Barros Filho
Li a
Felicidade Conjugal, uma novela do russo Leão Tolstói editada pela Ediouro,
juntamente com a Sonata a Kreutzer, sendo a primeira, impressa em 165 páginas,
com prefacio de Assis Brasil, tradução de Boris Schnaiderman e ilustrações de
Herbert Horn.
O enredo
se dá numa na zona rural de uma província russa, numa casa de fazenda onde
moram uma criança, uma jovem de 17 anos e uma governanta que as ajudara criar. O
momento é de dor e perplexidade devido a morte da matriarca, quando já órfãs de
pai. A morbidez do ambiente enlutado faz ressonância com o espírito da jovem
Maria Alieksándovna, que cuida para entreter a pequena Sônia, sua irmã pequena.
Sobre as duas, paira a proteção de Kátia, uma espécie de administradora do lar,
conhecedora daquelas jovens em suas mais íntimas particularidades. A história é
narrada por sua protagonista, a Maria, que faz de seu tutor, Sierguiéi Mikháilitch,
após a morte dos pais, seu alter ego, onde, após um recolhimento melancólico e
desiludido, encontra o amparo necessário para seguir de pé. Siergiéi era um
homem maduro, com muitas qualidades sociais e administrativas, admirado por
todos, de todas as classes sociais e devotado afetivamente à sua mãe, que conta
com seus cuidados devido ao avançado da idade. Declara-se realizado em sua vida
e sem necessidades outras para esta realização.
Sua visita
à família de Maria acendeu as luzes daquela moça que vagava sem norte pelo
escuro. Como tutor, ele, apesar de sua natureza gentil, agiu com autoridade,
ajudando a restabelecer os rumos da família. Sua segurança e destimidez,
aumentou a confiança da jovem e a fez sair do abismo de incertezas que a
sufocava. Kátia, que conhecia profundamente a família, bem como Siergiéi, pôs-se
como mediadora das relações, pois, vendo o crescimento de ânimo de Maria a
partir da chegada de Siergiéi, bem como a oportunidade que seria uni-la, Maria,
a homem com tamanha distinção, não se fez de rogada e, de pronto, começou a alcovitar
aquela promissora união.
A novela
e a relação dos protagonistas, se dão, em pelo menos meio livro, entre as idas
e vindas de Siergiéi nas visitas à Maria, sempre regadas às boas prosas,
diálogos sobre leituras, conselhos de valores morais, críticas às vulgaridades
e deleites estéticos promovidos pelas delicadas mãos de Maria ao piano.
Com a
bênção de Kátia, que alcovita de ambos os lados, contanto com a conivência de
Maria e a relutância de Siergiéi, por se considerar extremamente maduro e Maria
crua e suscetível pelos potenciais sonhos joviais, o casal namora e casa. Vivem
o encanto da nova vida de forma extremamente reservada e, só então resolvem
debutá-la na vida social da metrópole. Ela se esvanece com os bailes e com a
recepção encantada da sociedade com sua presença, descobre a riqueza afetiva
daquele mundo cheio de estímulos, tão diferente da sobriedade rural. Já nem
sequer cogita sua volta ao marasmo do campo. Frequenta com liberdade as noites
da cidade, com a anuência de seu esposo, que prefere recolher-se, dado que já
não desfruta dos gostos juvenis, das ilusões afetivas do jogo social.
Não vou
contar o desenrolar e o desfecho pois, Tolstói é esmerado demais para ser
enquadrado num texto opinativo como este, mas gostaria de emitir uma impressão,
visto que o genial autor de A Felicidade Conjugal parece ter feito de sua vida
pessoal, cristão radical que era, uma verdadeira militância: militância de
convivência, de superação, de criação de possibilidades, de reinvenção, de
oferta, de carinho, de tudo que pudesse justificar a longevidade de uma
relação. E ele, na novela, encontra um desfecho maravilhoso, sábio,
justificatório, esperançoso, resignante, altruístico... no entanto,
malabarístico, para quem sabe que o velho e genial escritor fugiu de casa aos
80 anos de idade e, como bem diz o poeta Mário Quintana no poema Gare de
Astapovo, “...Não são todos os que realizam seus velhos sonhos da infância!”.
*Ivan Marinho é escritor, detentor dos Prêmios Patativa do Assaré – MINC -, e Festival Nacional Jaci Bezerra de Poesia, do Centro de Estudos Superiores de Maceió.