O Auto
da Compadecida, publicado pela Editora Nova Fronteira em sua 36ª edição, é um
livro com 187 páginas, que já chama a atenção por sua capa e ilustrações de
Romero de Andrade Lima e letras características criadas pelo próprio Ariano
Suassuna, como expressão do Movimento Armorial, também sua criatura.
A abertura
do livro já trás expostas as fontes inspiradoras, como os versos de Leonardo
Mota no cordel O Castigo da Soberba, os do Enterro do Cachorro (Fragmento de O
Dinheiro) de Leandro Gomes de Barros e do anônimo História do Cavalo que
Defecava Dinheiro. Esta precaução me faz lembras as aulas-espetáculo do mestre
Suassuna que, para não causar surpresa, já se apresentava como gago.
Bráulio
Tavares, posfaciador do livro, se remete a influência dos mecanismos narrativos
da Comédia Medieval e Renascentista da Europa e da Comédia Popular do Nordeste
na obra de Ariano, onde por fidelidade e tradição “o autor não julga que escreve por si só, mas com a colaboração
implícita de uma comunidade inteira”.
O livro
é uma peça teatral escrita em três atos, intermediados pela presença de um
palhaço. No primeiro trata-se do enterro do cachorro, no segundo do gato que
descomia dinheiro, da chegada do cangaceiro Severino de Aracaju, da
distribuição da herança do cachorro e das mortes dos personagens. O terceiro,
do julgamento com o Diabo acusando, Nossa Senhora Compadecida defendendo e
Jesus julgando.
A história
se passa na cidade de Taperoá na Paraíba e conta as presepadas de um matuto,
João Grilo que, acompanhado de uma espécie de fiel escudeiro, reescrevendo o
palhaço esperto e o besta, usa de seu ardil para aliviar a luta pela
sobrevivência. Espécie de Macunaíma, João Grilo joga com os poderes econômicos
e eclesiásticos para angariar alguma vantagem para si e para seu amigo,
ganhando, por sua habilidade, o reconhecimento de representante de todos
perante o julgamento da Divina Corte.
O substrato
filosófico do livro passa pelos questionamentos dos valores cívicos e
religiosos que sustentam a ordem capitalista, incorporada pelo catolicismo. Para
isto, faz de Maria a advogada do povo sofrido e marcado pela desigualdade
social no nordeste brasileiro, nos fazendo lembrar da letra de Não Existe
Pecado ao Sul do Equador, de Chico Buarque, ou mesmo do Cristo quando redime os pobres ao dizer, “Eles
não sabem o que fazem!”.
Esteticamente,
apesar de ser uma comédia, faz rir e chorar. O choro nasce da comoção frente a
miséria e pela justiça do olhar divino que não deixa de considerar as condições
desumanas vividas pelo povo por causa do egoísmo das elites históricas do
Brasil.
O livro
é bom de rir, quero dizer, de ler. Obra ovacionada no Brasil e no mundo,
traduzida para vários idiomas e montada cenicamente na Alemanha, Grécia,
Holanda, Israel, Polônia, Estados Unidos, Espanha, Finlândia, Portugal, Suíça e
República Checa, isto dos idos de 2005 pra trás.
Por tudo
isto, Viva Ariano Suassuna! Viva o povo brasileiro!
Ivan Marinho de Barros Filho
Professor, especialista em Economia da Cultura, Artista
plástico e Poeta.
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