Entre
todos os homens suscita, de cara, uma curiosidade extrema, não só pelo título
ou tema, mas por ser escrito por quem foi: Frei Betto, um dos maiores teólogos
do mundo, traduzido para 30 línguas, detentor de muitos prêmios literários,
dentre os quais o Jabuti e o Juca Pato, polêmico defensor de uma igreja
engajada, do lado do povo, do lado dos pobres, como preconizou o Concílio
Vaticano II, iniciado por João XXIII e concluído por Paulo VI.
Marcado,
visceralmente, por prisões e torturas psicológicas, Frei Betto não é afeito ao
meio-termo e, para quem iniciou suas leituras a partir de Batismo de Sangue,
como eu, a expectativa com relação a Entre Todos os Homens é a de ousadia, de
desmascaramento do misticismo metafísico ou institucionalista. Confesso que
esperava um enredo mais ficcionista, onde pudéssemos teologizar os evangélicos,
suprindo seus vácuos racionais mas, no entanto, o que percebemos é que, “fiel”
à tradição de obediência, ou estrategicamente amparado nela, e prudente com
relação a quaisquer polêmicas, o autor não põe palavras na boca de Jesus, nem
analisa exegeticamente seus feitos. Seguindo a sequência comum dos evangelhos,
Frei Betto não questiona os poderes de Cristo, porém, apresenta-os com
naturalidade. Apenas num momento nos deparamos com uma exegese mais
declaradamente materialista, como seria de se esperar em todo livro, quando do
“milagre da multiplicação dos pães e peixes”: O livro descreve o diálogo
ficcional entre os apóstolos Tadeu e Natanael sobre o acontecido. O primeiro,
que estivera ausente no momento, pergunta sobre o milagre da multiplicação e é
repreendido pelo segundo, que se irrita: “Essa gente enxerga camelos voadores
onde só vejo pardais. Não te deste conta de que multiplicar é prestidigitação e
que o mestre não faz mágicas?” Tadeu explica que havia, atraído pela fama do
mestre, vários comerciantes entre a multidão e, que o grande milagre foi tê-los
sensibilizado para a comunhão: “operou, sim, um milagre. Não o da
multiplicação, mas o da divisão, raiz de toda justiça”.
O
livro, de 391 páginas, editado pela Ática, é fruto de uma pesquisa
histórico-exegética em mais de 40 livros e uma perscrutação in loco na Palestina em companhia de
Cláudio Vianney Malzoni - Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto
Bíblico de Roma, Doutor em Ciências Bíblicas pela Escola Bíblica e Arqueológica
Francesa de Jerusalém -, é um relato contundente das contradições que permeavam
aquele mundo sob o império romano. Expõe uma liderança que preconiza o fim do
poder e a supremacia do Amor e, com base nisso, revela-se agressivo,
principalmente perante às lideranças (cerca de 20 mil) religiosas, com as quais
travou um debate público onde não os poupou dos conceitos de hipócritas e de
raça de víboras. Define Deus como materialização do Verbo e diz que “Ninguém
vem ao Amor senão por mim...”, “Não crês que estou no Amor e o Amor em mim?”
As
últimas palavras do livro estão na contracapa. Peço-as emprestadas a Alfredo
Bosi para encerrar, também, esta simplória resenha, ou comentário opinativo:
“Lendo Entre Todos os Homens, constata-se mais uma
vez, mas agora de forma renovada, a perenidade da mensagem evangélica. Cada
geração e cada cultura vêm, há séculos, acentuando este ou aquele traço
inerente à Boa Nova. A versão de Frei Betto tem muito a ver com a necessidade
contemporânea de liberdade, solidariedade e, acima de tudo, generosidade. Esta
é a face de Jesus que o livro ilumina mais vigorosamente”.
Ivan Marinho de Barros Filho é especialista em
Economia da Cultura, artista plástico e poeta.
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