domingo, 30 de outubro de 2016

ENTRE TODOS OS HOMENS: O EVANGELHO SEGUNDO FREI BETTO.


            Entre todos os homens suscita, de cara, uma curiosidade extrema, não só pelo título ou tema, mas por ser escrito por quem foi: Frei Betto, um dos maiores teólogos do mundo, traduzido para 30 línguas, detentor de muitos prêmios literários, dentre os quais o Jabuti e o Juca Pato, polêmico defensor de uma igreja engajada, do lado do povo, do lado dos pobres, como preconizou o Concílio Vaticano II, iniciado por João XXIII e concluído por Paulo VI.
            Marcado, visceralmente, por prisões e torturas psicológicas, Frei Betto não é afeito ao meio-termo e, para quem iniciou suas leituras a partir de Batismo de Sangue, como eu, a expectativa com relação a Entre Todos os Homens é a de ousadia, de desmascaramento do misticismo metafísico ou institucionalista. Confesso que esperava um enredo mais ficcionista, onde pudéssemos teologizar os evangélicos, suprindo seus vácuos racionais mas, no entanto, o que percebemos é que, “fiel” à tradição de obediência, ou estrategicamente amparado nela, e prudente com relação a quaisquer polêmicas, o autor não põe palavras na boca de Jesus, nem analisa exegeticamente seus feitos. Seguindo a sequência comum dos evangelhos, Frei Betto não questiona os poderes de Cristo, porém, apresenta-os com naturalidade. Apenas num momento nos deparamos com uma exegese mais declaradamente materialista, como seria de se esperar em todo livro, quando do “milagre da multiplicação dos pães e peixes”: O livro descreve o diálogo ficcional entre os apóstolos Tadeu e Natanael sobre o acontecido. O primeiro, que estivera ausente no momento, pergunta sobre o milagre da multiplicação e é repreendido pelo segundo, que se irrita: “Essa gente enxerga camelos voadores onde só vejo pardais. Não te deste conta de que multiplicar é prestidigitação e que o mestre não faz mágicas?” Tadeu explica que havia, atraído pela fama do mestre, vários comerciantes entre a multidão e, que o grande milagre foi tê-los sensibilizado para a comunhão: “operou, sim, um milagre. Não o da multiplicação, mas o da divisão, raiz de toda justiça”.
            O livro, de 391 páginas, editado pela Ática, é fruto de uma pesquisa histórico-exegética em mais de 40 livros e uma perscrutação in loco na Palestina em companhia de Cláudio Vianney Malzoni - Mestre em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Doutor em Ciências Bíblicas pela Escola Bíblica e Arqueológica Francesa de Jerusalém -, é um relato contundente das contradições que permeavam aquele mundo sob o império romano. Expõe uma liderança que preconiza o fim do poder e a supremacia do Amor e, com base nisso, revela-se agressivo, principalmente perante às lideranças (cerca de 20 mil) religiosas, com as quais travou um debate público onde não os poupou dos conceitos de hipócritas e de raça de víboras. Define Deus como materialização do Verbo e diz que “Ninguém vem ao Amor senão por mim...”, “Não crês que estou no Amor e o Amor em mim?”
            As últimas palavras do livro estão na contracapa. Peço-as emprestadas a Alfredo Bosi para encerrar, também, esta simplória resenha, ou comentário opinativo:
“Lendo Entre Todos os Homens, constata-se mais uma vez, mas agora de forma renovada, a perenidade da mensagem evangélica. Cada geração e cada cultura vêm, há séculos, acentuando este ou aquele traço inerente à Boa Nova. A versão de Frei Betto tem muito a ver com a necessidade contemporânea de liberdade, solidariedade e, acima de tudo, generosidade. Esta é a face de Jesus que o livro ilumina mais vigorosamente”.

Ivan Marinho de Barros Filho é especialista em Economia da Cultura, artista plástico e poeta.


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