Este livro de Morris West, australiano autor de vários bestsellers,
como Os Fantoches de Deus e O Advogado do Diabo, com mais de 60 milhões de
cópias vendidas, é resultado de longa pesquisa feita sobre a dinâmica do
Vaticano, desde a morte ao conclave dos cardeais para escolha do novo
pontífice. Mas não para por aí o empenho fictício do literato, ele se estende
numa trama que arrisca a criação de uma personagem com características
vanguardistas, para além de João XXIII que, certamente, exerceu influência
sobre sua criação, dadas as reformas que iniciou na Igreja no breve intervalo
de tempo de seu papado, que iniciou em 1958 e foi interrompido pela morte em
1963, data esta que coincide com a publicação deste livro de 264 páginas.
O enredo de
substituição do papa parte de um desejo extremo, o de resgatar o caráter “revolucionário”
dos primeiros cristãos em contraponto à,
introspectiva e ausente no mundo, doutrina romana adotada pelo catolicismo
naqueles idos. Duas lideranças da cúpula, o Camerlengo e o cardeal responsável
pelo Santo Ofício, Rinaldo e Leone, intuem, levados a crer que por inspiração
divina, que diante da apatia com consequentes perdas de fiéis por parte da
Igreja, seria oportuna a presença de um pontífice que representasse algo
ousado, fazendo-os lembrar até da rebeldia de um São Francisco de Assis. Apresentara-se,
perante esta exigência, um padre recém elevado ao posto de cardeal, Kiril
Lakota, que estivera 17 anos preso, condenado ao trabalho forçado na Sibéria,
sob o poder de Kamenev, algoz na prisão e agora, chefe de estado da União das
Repúblicas Socialistas Soviéticas. Esta proximidade de opostos, amparada pelas
sinceras convicções de fé cristã e do ateísmo comunista em busca de um objetivo
comum, a libertação do homem, preparou o terreno para a consolidação de uma
amizade atípica, estimulada pela ação do algoz, que burla a burocracia para por
em liberdade o prisioneiro. Ambos chegam ao topo das hierarquias, um no estado
soviético o outro no do Vaticano e o que podemos ver a partir de então, é um
jogo de estratégias humanistas entre um ateu e um cristão na busca de uma só
finalidade, a Paz.
Registrado antes do
principado do papa Paulo VI, o livro antecipa várias ações vanguardistas deste,
de João Paulo I e de Francisco, deixando até a suspeita de que possam ter lido
o livro, como por exemplo, no que se relaciona às decisões de Paulo VI de
abertura da Igreja no Concílio Vaticano II e as fugidas de Francisco para se
juntar às pessoas comuns na cidade, ou mesmo a declaração de impossibilidade de
julgamento, pela igreja, dos homossexuais.
As Sandálias do Pecador,
alusão a Pedro, primeiro Papa, é um livro que fascina pelas reflexões em torno
da fé, mostrando a fragilidade dos representantes das grandes instituições,
sejam religiosas, sejam de Estado. O enredo, que tem sua maior parte dedicada
ao ambiente interno do Vaticano, conta com dramas periféricos de pessoas atingidas
pelas limitações impostas pelo Estado e pelas decisões religiosas.
Por fim, o livro é de
fácil digestão, como diria Oswald de Andrade, por ser escrito pela excelência
de um mestre, no entanto, para mim, particularmente, que habito entre os
mortais, a bola bate na trave quando obedece desencantadamente à realidade. A fé
que se estabelece pela luta do sujeito, se mostra amarga, como o é na vida real
e, como dizia Paulo Leminski, e sempre me reporto a este poema, “Podem ficar
com a realidade/ esse baixo astral/ em que tudo entra pelo cano/ eu quero viver
de verdade/ eu fico com o cinema americano”.
Mas fica a deixa do
autor ao oferecer a possibilidade de sofrer com a realidade pura, sem as
promessas de transcendência, tendo que conviver com o desencanto da morte, mas
colocando-se como senhor das próprias decisões, e a alternativa de sair do
centro e pôr Deus, como balizador destas decisões e justificação de quaisquer
resultados que, neste bojo, se entenderia como além das nossas capacidades de
compreensão.
Ivan Marinho de Barros Filho
Professor, especialista em Economia da Cultura.
Nenhum comentário:
Postar um comentário